quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Poema de Álvares de Azevedo

É ela! É ela! É ela! É ela
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
e o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi… minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela.
Dessas águas furtadas onde eu moro
eu a vejo estendendo no telhado
os vestidos de chita, as saias brancas;
eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido,
nas telhas que estalavam nos meus passos,
ir espiar seu venturoso sono,
vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!…
Tinha na mão o ferro do engomado…
Como roncava maviosa e pura!…
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso…
Palpitava-lhe o seio adormecido…
Fui beijá-la… roubei do seio dela
um bilhete que estava ali metido…
Oh! decerto… (pensei) é doce página
onde a alma derramou gentis amores;
são versos dela… que amanhã decerto
ela me enviará cheios de flores…
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
eu beijei-a a tremer de devaneio…
É ela! é ela! — repeti tremendo;
mas cantou nesse instante uma coruja…
Abri cioso a página secreta…
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
(Álvares de Azevedo)

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